quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Lembranças


Caminhávamos lado a lado, mas eu sempre tinha a impressão que Júlia estava um passo a frente de mim. Sempre.
Era como se pertencemos a mundos diferentes e que ela, com sua bondade, deixara-me adentrar seu louco mundo das maravilhas e mostrara-me o sentido de coisas que eu realmente não entendia a principio.

Júlia tinha um jeito todo dela de me dizer as coisas, às vezes bastava sorrir com o olhar para que eu compreendesse exatamente o que ela queria de mim.
Foi dessa forma que quando passamos pela piscina do prédio e ela fitou a piscina por um instante e me deu aquele sorriso, eu sabia exatamente o que ela queria.

Era quase três horas da manhã quando havíamos chegado de uma festa na casa de uma amiga dela e pra quem conhece São Paulo, sabe que o frio toma conta e que é praticamente suicídio se jogar em uma água possivelmente gelada, levando-se em conta o clima ambiente.

Júlia não parecia se importa. Não com o frio e menos ainda com a possibilidade de que alguém nos visse. Ela me puxou pra beirada e sussurrou em meu ouvido:

- Talvez devêssemos tirar nossas roupas para não molhar.

Fosse pelo álcool em minha mente, pela corrente de adrenalina que passava meu corpo ou pelo cheiro almíscar do perfume dela, eu me deixei levar.
Quando me dei conta Júlia beijava-me os lábios enquanto tirava minha blusa. Minha saia saiu tão rápido que eu não nem me lembro de tirá-la. Júlia fitava-me os olhos para em seguida beijar-me a boca, o rosto, o pescoço e os ombros enquanto tirava-me o sutiã.
Recordo de ter hesitado um instante antes que ela tirasse minha calcinha, se por um lado a excitação do momento me preenchia, por outro a possibilidade de ser pega naquela situação assombrava minha mente. Acabei por deixar que Júlia fizesse o que tinha que fazer.
Tão rápido que eu sequer me dei conta do que acontecia, Júlia ficou nua e no instante seguinte se jogou na água. Meus olhos estavam fixos na sua imagem embaixo da piscina enquanto ela mergulhava. Sua pele pálida refletindo sobre a luz do luar e seu cabelo geralmente bagunçado, escorrido sobre seu rosto. Ela me abriu aquele sorriso encantador.

-Eu diria pra você entrar, mas estou gostando da vista daqui.

Corei. Eu estava hipnotizada com Júlia e não me dera conta de que estava completamente nua e exposta parada à beira da piscina. Sorri sem jeito e caminhei lentamente até a borda colocando os dedos do pé para sentir a temperatura da água.

-Não seja covarde, assim você vai ficar com mais medo. Pula!

Não era do meu feitio nadar de madrugada, ainda mais nua. Ainda mais em São Paulo onde o frio era constante. Mas eu aprendi que com Júlia, eu fazia coisas que não eram do meu feitio.
Então, eu simplesmente fitei o céu por um instante e me joguei na piscina.
O mundo silenciou. Naqueles segundos em que tudo era absorto pela água ao meu redor, não havia nada. Talvez a morte fosse mais ou menos assim, eu pensei.
O frio percorreu o meu corpo e eu me senti trincar enquanto a água congelava minha pele.
Então eu emergi com Júlia me puxando pra cima.

-Oh! Belo mergulho. –ela ajeitou meus cabelos jogando-os para trás e beijou-me por um instante.

Foram tantas as vezes em que me permiti ultrapassar meus próprios limites de sanidade para mergulhar no mundo de Júlia que quando fizemos amor dentro daquela piscina, a ideia já não me parecia tão absurda

Estávamos ali. Depois das três da madrugada. Dentro da piscina do prédio. Correndo o risco de sermos pegas. E nuas. E transando. E Júlia beijava-me a boca me fazendo esquecer qualquer uma dessas coisas.

terça-feira, 24 de julho de 2012

As cenas de Júlia


A dor da partida de Júlia fora maior do que eu supunha que poderia ser. Sofri calada durante todo o tempo relembrando cada segundo que passamos juntas e tudo o que ela disse que me fizesse entender o porquê de sua ida.
Revivi cada segundo de nossa existência conjunta, cada tempo gasto vagueando entre pensamentos enquanto encarávamos as estrelas que ela havia colado no teto e que brilhavam no escuro. Júlia em seu jeito menina de ser, era sonhadora como eu nunca havia visto.

Brincava de guerra de dedo e adorava sorvete de salada de frutas. Sorria de tudo e pra tudo, acho que provavelmente era a pessoa mais sorridente que eu conheci na vida.
Se emocionava com tudo e era sentimental demais.
Tinha consciência de sobra e era dessas pessoas que querem salvar o mundo. Fazia sua parte sempre que podia e dizia que um dia ia ter dinheiro e influência o suficiente para fazer a diferença.

Mas era cabeça quente e nunca levava um desaforo pra casa quando se era preciso.

Certo dia esbarramos com um conhecido meu da faculdade. Sempre tentei manter boa relação com as pessoas que convivem comigo em ambiente de estudo e/ou trabalho, então, não foi surpresa André vir falar comigo quando me viu na Praça da Alimentação.
Chegou simpático e sorridente e me cumprimentou com um beijo. Estranhei logo de cara, porque não era do feitio dele agir tão abertamente na frente de estranhos e Júlia, sentada à minha frente, encarava o copo de suco diante de si.
Conversamos um pouco até que ele finalmente me pediu que apresentasse Júlia. Fiquei sem reação. Não sabia como dizer que ela era minha namorada. Até mesmo o termo ‘namorada’ soava estranho aos meus ouvidos e à minha boca, mas antes que eu me manifestasse, Júlia apresentou-se sozinha.

-Sou Júlia, a namorada dela. –eu nunca vira Júlia ser tão seca com alguém, mas ela o fora.

André me fitou por alguns segundos esperando que eu dissesse algo, mas eu estava travada. O normal seria ficar irritada com Júlia por ela tomar as rédeas da situação e me colocar em um situação constrangedora, mas notar a naturalidade com que ela falava sobre nós, me fazia sempre achar que ela agia da forma correta.
Sorri meio sem jeito e concordei com a cabeça. A expressão de André fechou no mesmo instante e eu sabia que havia algo errado. Conhecia André e como ele sabia ser preconceituoso e repugnante quando queria ser, afinal, era um dos motivos dele ser apenas ‘conhecido’ ao invés de colega ou amigo.

-Então você é ‘sapatão’?

O termo agrediu os meus ouvidos e senti a raiva crescer dentro de mim. Fitei Júlia que observava a situação com calma e sem expressar reação. Quis gritar com ele e dizer que ele não entendia nada sobre aquilo, mas eu realmente não sabia como agir e me mantive calada.

-Sapatão 100% ou podemos conversar nós três? –ele deu aquele sorriso malicioso nojento que os homens dão quando imaginam duas mulheres na cama com eles.

Fiquei incrédula diante da situação. Provavelmente ele queria tirar proveito para depois se exibir para os amigos que o esperavam na outra mesa. Queria dizer algo, mas as palavras travaram na garganta.
Júlia já conhecia minha expressão de desespero quando algo estava ‘entalado’ e me conhecia o suficiente para saber que eu provavelmente evitaria brigas e deixaria passar batido, então, como era do feitio dela, ela novamente tomou controle da situação.

-Você acha que agüenta nós duas? –ela o olhou pela primeira vez desde que ele se sentara à mesa.
André sorriu e a encarou. Eu fitei a situação perplexa com as palavras de Júlia.

-Mas é claro que sim. Sou capaz de dar um ‘trato’ tão grande em vocês duas que nunca mais vão ficar com essa coisa de ‘viadagem’ por aí. O problema da maioria das mulheres que viram ‘sapatão’ é a falta de homem de verdade. –André se pronunciou da forma mais repugnante que um homofóbico poderia.

Júlia inclinou-se na direção de André o encarando fixamente nos olhos. Ouvi um murmurinho percorrer a mesa onde os possíveis amigos de André estavam sentados, notavelmente observando o que acontecia na nossa mesa.

Ao ficar bem próxima do rosto de André se insinuando, Júlia sussurrou baixo:
-É por causa de ‘homens de verdade’ como você que eu sou ‘sapatão’. Talvez quando vocês começarem a pensar com a cabeça de cima, consigam mudar minha opinião sexual, até lá, a única coisa que você vai precisar dar um trato é a sua cara.

E então vi Júlia se afastar, pegar o copo de suco e jogar o líquido no rosto de André. A cena ocorreu em segundos, eu me senti inútil vendo-a agir enquanto eu estava paralisada.
Júlia tomou-me pela mão e me puxou. Enquanto saíamos da Praça passamos pela mesa com os amigos de André e enquanto eles riam, Júlia disse:

-O amigo de vocês é gay, um absurdo. Queria nos pagar para fingir que íamos sair com ele para vocês não saberem que ele é viado.
Ela olhou o mais ‘exibido’ da turma e completou:
-A propósito... É de você que ele realmente tá afim.

Ao sairmos ainda pude ouvir gargalhadas e vaias, provavelmente André me mataria no outro dia, mas naquele momento eu só consegui apertar a mão de Júlia, sorrir e pensar:

‘Eu definitivamente, encontrei a melhor garota do mundo!’

terça-feira, 17 de julho de 2012

Outro jeito de ver o mundo.


Júlia tinha um jeito de salvar as pessoas de seus mundos medíocres e simplórios e jogá-los na vida com uma intensidade de quem pula de pára-quedas.

Recordo-me da primeira vez que eu fui a uma boate gay (como uma pessoa gay). Lembro que no dia fiquei nervosa acreditando que seria terrível. Eu não era exatamente o tipo dançarina de balada, mas Júlia me arrastava em suas aventuras e eu sabia que no final da noite eu nunca me arrependia de tê-la acompanhado.
Eu, que já havia ido outras inúmeras vezes a locais desse tipo com amigos, percebi que nunca havia parado pra notar realmente como um ambiente homossexual funcionava. Quando você não sabe o que se pensar ou sentir com relação àquelas pessoas, você apenas as visualiza, mas não as compreende.

Percebi que agora eu sabia como era passar pela fase de aceitação própria, ali era o lugar onde eles eram mais felizes. Como gay, eu sabia que podia dançar, cantar, pular, gritar, beijar a boca de Júlia quantas vezes eu quisesse e ninguém iria me julgar por aquilo.
Acredito que dentre as realidades que eu já vivenciei em minha vida, a comunidade gay é a mais unida e mais aberta a adeptos do que qualquer outra.

Você não precisa de nada pra ser gay, apenas ser você mesmo sem medo de admitir. Não é como ser conhecedora de livros pra entrar no grupo de Literatura, ou ouvir bandas de rock desconhecidas para que vejam que você entende do assunto e lhe aceitem em um grupinho musical.
Estar ali, com Júlia, me mostrou o sentido da palavra LIBERDADE de uma forma que eu nunca experimentara antes.

Entre copos e mais copos de bebidas, me vi solta e leve dançando na pista e tendo meus olhos invadidos pelo jogo de luzes brilhantes e meu ouvidos estourados pelo som da batida alto. E eu estava adorando. Puxei Júlia para perto de mim e beije-a com toda a paixão que eu tinha. Meu coração acelerado acompanhava o ritmo da música e nossos corpos suados entrelaçavam-se um no outro com uma sensualidade que me deixou com vontade de ter Júlia ali mesmo.

No intervalo entre uma música e outra, ela me puxou para o banheiro feminino. Eu, na vã inocência de que o objetivo de se ir ao banheiro é ir ao banheiro, me deixei levar sem saber o que se passava pela cabeça de Júlia.
Mal deu tempo de entrarmos e Júlia encostou-me na parede. Beijou-me a boca com vigor e pude sentir a excitação exalando entre nossos corpos. Enquanto nossas bocas estavam grudadas, nossas mãos exploravam-nos os corpos com desejo latente.
Foi quando senti a mão de Júlia percorrer-me a barriga lentamente. Enquanto ela desabotoava a minha calça eu tentava me focar no que estava acontecendo, mas sempre acabava por me perder em seus beijos com sabor de cereja.
Júlia alcançou-me o sexo e começou e me masturbar bem ali. No banheiro de uma boate. Talvez se eu tivesse em minha sã consciência, não tivéssemos chegado a esse ponto, mas bastava uma dose dos beijos de Júlia para que eu ficasse mais embriagada do que qualquer copo de vodka pura.

Enquanto Júlia me tinha, eu gemia abafado entre seus beijos e a tentativa de respirar um ar menos pesado e quente do que ali dentro. Os movimentos que da mão dela que antes começaram lentos, passaram a ser tornar mais rápidos e intensos e depois de pouco tempo eu me senti gozar nos dedos de Júlia. Ela sorriu me encarando e retirou os dedos de dentro de mim para então prová-los o gosto.

-Você é sempre tão doce. – ela sussurrou em meu ouvido.

Senti-me arrepiar e posso até ter corado naquela hora. O engraçado é que Júlia conseguia fazer e falar qualquer coisa dita como pornográfica e sempre fazer parecer o certo e sensual a se dizer.

Quando saímos do banheiro um casal de meninas nos sorriram. Elas sabiam o que tínhamos feito, e talvez fossem até fazer o mesmo que nós. Entendi novamente algo sobre o mundo gay, o que os outros chamam de promiscuidade, para eles é apenas libertação de ser. É viver o hoje.
E o meu viver daquele dia, no banheiro de uma boate, com a música invadindo-me os ouvidos enquanto Júlia invadia-me o corpo, foi um viver intenso e extremamente gostoso.
Mais eu ainda nem sabia o qual longe estávamos de ter momentos realmente intensos. 

domingo, 15 de julho de 2012

Memórias


Há dois meses atrás, esbarrei em Carina no meio da rua. Trocamos algumas palavras de trivialidades e em meio à conversa, perguntei por Júlia.
Carina me pareceu um tanto desconfortável, talvez por já saber de tudo o que aconteceu entre nós e por saber como Júlia me abandonou à minha própria sorte depois de eu ter lhe dado a minha vida.
Ela me respondeu superficialmente que a última notícia que tivera de Júlia, foi que esta estava em Portugal fazendo um intercâmbio. Trocamos telefone educadamente, como quem promete entrar em contato, mas que sabe que isso realmente não vai acontecer.
Depois dessa notícia caminhei um tempo meio sem rumo, meio abalada, até que parei em frente a cafeteria onde tive meu primeiro ‘encontro’ com Júlia. Sorri do acaso do destino que me levara até ali e entrei. Sentei no mesmo lugar que Júlia sentara aquele dia, pedi o mesmo capuccino e a mesma torta de limão. Fitei a cadeira à minha frente onde eu estivera sentada naquele dia e tentei me colocar no lugar de Júlia.
O que ela estaria pensando naquele dia? O que ela viu quando me olhou nos olhos pela primeira vez? Tinha ela em mente me deixar sozinha após sete meses juntas? Será que Júlia havia me deixado para viajar para Portugal?
Só então me dei conta de como eu estivera sendo egoísta. Talvez Júlia houvesse me deixado apenas porque tinha que partir e sabia que qualquer despedida doeria mais. Tentar limpar um ferimento vagarosamente torna a dor mais longa do que apenas limpá-lo de uma vez por todas.
Eu tinha que ficar feliz por Júlia, afinal ela estava realizando seu sonho. E então eu recordei daquele dia.

~*~

-Um dia, iremos juntas a Paris. – Júlia comentou enquanto assistíamos Amélie Poulain.

-E vamos usar muita roupa amarela e vermelha. – eu completei sorrindo enquanto a observava.

-Eu sempre quis conhecer a Europa. A neve. Aqueles casacos de frio. Todo mundo parece tão perfeito e feliz. –ela emendou.

-Você é a carioca menos carioca que eu já vi na minha vida. Onde já se viu preferir frio à calor quando se nasce em meio ao sol e praia? –eu gargalhei.

Júlia me encarou.

-Por isso mesmo. Estou cansada disso tudo. Na verdade estou cansada dessa monotonia de sempre. Queria viajar, conhecer novos lugares. Explorar novos mundos. Um dia eu vou à Europa, e vou comprar muitas coisas e viver muitas aventuras e abrir minha mente e minha vida para novas oportunidades. –ela disse olhando para o nada.

Seus olhos cintilaram e ela não parecia mais estar se dirigindo à mim.

~* ~

Talvez eu devesse ter percebido ali que em algum momento ela partiria, afinal éramos totalmente diferentes. Júlia era livre, aberta ao mundo, aventureira, hiperativa. E eu era... Apenas eu. No meu modo simples de ver as coisas e acomodada com a situação quando essa estava aceitável.
Naquele dia, se eu tivesse percebido, talvez o choque tivesse se tornado menor, mas na época eu apenas sorri do jeito menina de Júlia e nos lambuzamos em morangos e chocolate.

Era isso. Eu tinha que ficar feliz por Júlia, afinal ela estava realizando seu sonho.
E então eu me dei conta do que eu deveria fazer a partir daquele momento.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Os nós entre nós


Quando me dei conta do que Júlia representava em minha vida, o pânico se instalou em mim. Apesar de passar horas ao seu lado, e de sorrir, e de conversar, e de fazer amor, eu ainda não tinha percebido o que tudo aquilo significava.
Se enquanto me apaixonar por ela foi a coisa mais fácil que eu já fizera, reconhecer Júlia como um relacionamento amoroso, foi acredito que o mais difícil.  

Me peguei pensando em quantas pessoas eu julguei ao criticar o fato de que elas não se abriam ao mundo e tinham medo de mostrar quem realmente eram... E naquele momento, eu era uma delas.
A grande verdade é que é muito fácil falar quando se está de fora da situação, mas quando você se apaixona e percebe que passear de mãos dadas na rua ou apresentá-la ao seus pais será uma complicada tarefa, as coisas mudam de figura.

Com todos esses pensamentos por dias rondando minha cabeça, fui pega de repente quando Júlia me chamou para sair com seus amigos. Até então éramos eu e Júlia. Júlia e eu. E eu nem sequer lembrava que existia vida fora das quatro paredes do nosso quarto.
Não conhecia nenhum dos seus amigos, ou dos lugares que ela tinha o hábito de freqüentar, mas resolvi ir. Por ela. Eu faria qualquer coisa por ela.

Chegamos a um barzinho aconchegante e bem decorado. Do tipo Cult, com pessoas estilosas e sorridentes. Um local com uma atmosfera de outro país e uma música indie desconhecida tocando em som ambiente.
Então esse era o lugar de Júlia.

Me senti meio desconfortável inicialmente, mas depois de algumas doses comecei a relaxar. Todos os amigos de Júlia foram extremamente simpáticos. Anna e Rita eram duas lésbicas, que segundo Júlia eram apaixonadas uma pela outra, mas não tinha coragem de admitir devido a grande amizade existente entre elas. Vitor era um garoto gay com um ar meio hipster. E por fim, Carina e Jefferson eram ‘os heteros’ como chamavam os demais. Um casal divertido que estavam juntos há cerca de 3 anos e meio.

Conversamos sobre música, cinema, literatura. A tequila falou mais alto e acirramos sobre política e religião. E o assunto rendeu uma noite agradável e divertida.
Quando finalmente resolvemos deixar o local, percebemos a chuva torrencial que caía lá fora. Ninguém havia se dado conta da hora ou do clima. Ninguém havia se dado conta de nada. E eu só consegui dar conta de Júlia. Linda, sorridente e simpática com todos que via.

Ao sair, Carina nos ofereceu um guarda-chuva extra que ela tinha na bolsa e saímos do bar a caminho do carro que eu havia deixado estacionado na outra esquina.
Entre pessoas transitando e algumas se protegendo nas puxadas dos bares que haviam naquela mesma rua, Júlia se emaranhou em meus braços se apertando em mim. Eu travei. Aquela demonstração de afeto pública me gelou o sangue e travou-me as pernas. Parei no meio da rua sem saber como reagir.

Os amigos de Júlia que seguiam à nossa frente pararam para nos esperar e então Júlia se virou pra mim. Nós nunca havíamos agido daquela forma em público e Júlia me encarou com um sorriso no rosto.

- Esqueça todo o resto. Somos apenas nós. Somos apenas nós e os nós que nos atam.

E ela se aproximou e me beijou a boca com intensidade. Entre assovios, risadas e até mesmo alguns aplausos, o guarda-chuva escorregou dos meus dedos amolecidos e a água nos banhou.

Foi assim que eu aceitei Júlia com um amor incondicional independente do resto do mundo. Tenho olhares alheios como testemunha e o barulho da chuva como fundo musical.

sábado, 7 de julho de 2012

Mais de Júlia

É engraçado notar que quando as pessoas nos pedem para descrever alguém, usamos de adjetivos superficiais e exteriores. Fulano é alto/baixo, magro/gordo, loiro/moreno/ruivo. Mas quando se trata de Júlia, eu a recordo com uma riqueza de detalhes tão absurda que poderia descrever suas expressões faciais diante de determinadas situações.
Júlia nem parecia carioca. Gostava de frio, fugia de praia e nem sequer se importava com futebol ou carnaval. Pode-se dizer que ela era uma espécie rara.
Gostava de andar de camiseta e calcinha dentro de casa e lia poesia em voz alta. Gostava de observar o trânsito caótico de São Paulo na hora do RUSH e de tomar café com cream craker.
Era simpática com todo mundo e sincera ao extremo. Sorria para estranhos na rua e gostava de usar botas.
Sempre que colocava Piaf pra tocar, afastava os móveis da sala e me chamava pra dançar com ela. Chorava em filmes tristes e também em filmes felizes. Comia pipoca doce no cinema e fazia um pedido não para estrela cadente, mas para arco-íris.
Dormia ouvindo música clássica e sempre vestia a roupa depois do sexo, o que de início me incomodava, mas depois percebi que era mais por hábito do que por outra coisa.
Mexia nos cabelos e mordia os lábios quando estava nervosa. Roia o esmalte para não roer a unha quando o filme lhe causava demasiado suspense.
Tinha fixação por números e a única página do jornal que lhe interessava era a de palavras cruzadas.
Gostava de filmes suecos e franceses. Era apaixonada por qualquer coisa que tivesse sabor de limão. Não gostava de deixar uma leitura incompleta, mas era impaciente demais pra esperar que o livro passasse a ficar bom apenas na sua metade.
Não era muito apegada à internet e preferia que as pessoas ainda mantivessem o hábito de mandar cartas ao invés dos ‘impessoais e-mails’, como ela dizia.
Trocava refrigerante por suco natural, mais por gosto pessoal do que por qualquer outro motivo. Não abria mão de carnes e massas.
Se embebedava ao som de Blues enquanto recitava Shakespeare.

Gostava de vinho branco e tinha talento na cozinha.
Depois da nossa primeira noite de amor, Júlia vestiu sua camiseta e fez um macarrão ao molho branco que eu ainda mantenho fixo, o sabor na memória.
Porque quando se trata de Júlia a memória não me falha.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Noite


A pele de Júlia roçava suavemente na minha. Seus beijos quentes iam além da minha boca e sempre que deslizavam pelo pescoço eu me sentia entregue.
Seus dedos tocavam-me delicadamente por debaixo da blusa, mas mesmo que seu toque fosse leve, eu podia notar uma ansiedade latente no ambiente.

Júlia desvendava-me e deflorava-me como eu nunca imaginaria que fosse possível. Sem apelar para o esteriotipo, me atrevo a dizer que enquanto ter relações com homens tratava-se de sexo, transar com Júlia me mostrou mais o ato que chamam de fazer amor.
Ainda posso sentir o perfume adocicado que exalava de sua pele. Se por um lado ela me tocava gentilmente, por outro seus beijos intensos me mostravam o quanto ela desejava por aquilo e apesar de rígida no primeiro instante, depois me entreguei completamente e também desejava mais de Júlia.

Lentamente ela tirou a minha blusa enquanto descia os lábios pelo meu corpo. Suas mãos me pegavam firme, mas sem a força bruta que eu estava acostumada. Sentia a ponta de seus dedos finos deslizando por minha barriga e vagarosamente tirando-me a saia.
Em um instante eu estava diante dela, seminua. Com uma calcinha roxa e seios de fora. Júlia parou por um instante e ergueu-se para me ver plenamente. Seus olhos brilhavam sobre a luz fraca do apartamento e ela me olhou com uma vontade quase palpável.
Sorriu maliciosamente:


- Roxo é minha cor preferida.

E antes que eu pudesse dizer algo tornou a beijar-me com desejo. Suas mãos sem nenhum receio seguraram-me os seios massageando-os enquanto seus lábios estavam colados nos meus. E eu segurava seus cabelos desgrenhados puxando-a para perto em uma tentativa de que nos tornássemos uma só.
Seus dedos deslizavam pelo meu corpo sem limitações e foi assim que ela me teve pela primeira vez. Foi assim que eu a senti ‘dentro’ de mim pela primeira vez. Foi assim que gozei com Júlia pela primeira vez.

E também foi assim que começou a nossa história de 9 meses, 23 dias e eu ainda aqui contando.